SOCORRO! SOU ADVOGADO, MAS... FUI MULTADO POR EXERCER A ADVOCACIA

domingo, 30 de março de 2014 21:13 Postado por Indignação Jurídica 0 comentários
Essa foi de arrepiar os cabelos!

Em janeiro/2014, distribuímos uma ação anulatória de débito fiscal, contra a Fazenda Pública do Estado do Acre, por ter efetuado o lançamento de ICMS, em razão da suposta transferência de ativo imobilizado de uma empresa de locação de veículos ao seu cliente.

Bom, não se tratava de transferência de ativo imobilizado, mas sim de uma simples remessa dos veículos para locação que, contabilmente, deveria ser considerado como "outras saídas - locação".

Enfim, não é este o foco deste post.

Após a prolação da sentença pela ilustre juíza da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Rio Branco que, diga-se de passagem, julgou procedente o pedido inicial para anular o crédito tributário, percebemos não ter havido a condenação da Fazenda Pública nos honorários sucumbenciais.

A magistrada alegou que a empresa autora contribuiu com o lançamento, ao emitir os documentos fiscais dotados de erros materiais, quais sejam, o código de operação de "transferência de ativo imobilizado", deixando, ainda, de apresentar a defesa administrativamente. 

Em resumo: sob o ponto de vista da julgadora, não haveria sucumbência porque a empresa contribuinte deu causa ao débito e sequer teria tentado resolver o impasse pela via administrativa. Assim, seria injusto o estado do Acre arcar com os ônus sucumbenciais. Coitadinha da Fazenda Pública, não? 

Entretanto, conforme foi esclarecido na inicial, absurdamente o Estado do Acre não oportunizou à empresa a possibilidade de apresentar impugnação à notificação de lançamento. Simplesmente foram enviadas as notificações de lançamento, acrescendo aproximados R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) em seu passivo tributário.

Com o objetivo de fazer valer o princípio da sucumbência, apresentamos os Embargos de Declaração com efeitos infringentes, cuja finalidade era: (i) apontar a omissão da sentença, por não ter condenado a parte vencida nas custas processuais e nos honorários sucumbenciais; e, (ii) prequestionar a matéria ventilada, para manejo de recurso para as instâncias superiores.

Os Embargos de Declaração foram rejeitados (o que não é de se espantar). A surpresinha veio depois: a juíza aplicou à autora multa por litigância de má-fé, no importe de 1% do valor da causa, em função do intuito procrastinatório (?) do recurso apresentado.

Ora, não conseguimos entender qual o efeito procrastinatório de um recurso apresentado pela parte vencedora do processo judicial.

Segundo o entendimento da magistrada, a parte que venceu a ação e que apresentou o recurso de Embargos de Declaração, deve ser condenada por ter atrasado o andamento processual.

Qual o sentido da parte atrasar o andamento da ação que ela mesma ganha?

Certamente dormiremos sem entender o que passa na cabeça da juíza. Isso foge da lógica processual.

Ademais, outro ponto que merece ser destacado é o fato de se condenar a parte ou os seus advogados, simplesmente por pleitearem a aplicação do princípio da sucumbência.

Não é demais dizer que nós, como advogados, estávamos no exercício regular da profissão e, caso a magistrada discordasse do nosso posicionamento, bastava rejeitar os Embargos, abordando em sua sentença os pontos controvertidos. Agora, é razoável multar o profissional que apenas está exercendo o seu ofício?

É certo que o processo judicial no Estado Acre superou todas as expectativas de período em tramitação, uma vez não ter alcançado 90 dias da distribuição até a prolação da sentença.

Entretanto, a louvável celeridade não justifica aberrações dessa espécie. A multa por Embargos procrastinatórios tem uma finalidade justa, mas deve ser aplicada quando realmente for o caso. Provavelmente, arrumou-se um pretexto para que o Estado do Acre não saísse completamente derrotado... acontece que o pretexto vai de encontro a toda e qualquer lógica processual. 

Estava muito bom para ser verdade!   




S.O.S. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região: Código de Processo Civil Respira por Aparelhos

domingo, 16 de março de 2014 21:47 Postado por Indignação Jurídica 0 comentários
Alguém se lembra do artigo publicado aqui no Blog (vide A Validade da Citação na Justiça do Trabalho), sobre uma ação trabalhista, em que a notificação de audiência foi entregue a um empregado da Reclamada portador de síndrome de down?

Basicamente, a empresa arguiu a nulidade da citação, pela premissa básica de que o ato processual, tal qual o ato civil, deve respeitar os seus requisitos de validade: (i) capacidade das partes, (ii) objeto lícito e (iii) forma prescrita ou não defesa em lei.

A magistrada, porém, em assassinato ao Código Civil, afirmou que a citação fora válida; como resultado, declarou a revelia da Reclamada e julgou procedentes os pedidos.

Pois bem, interposto Recurso Ordinário ao Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT3), a 8ª Turma Recursal se superou. Em viagem à Marte ou a algum outro planeta do sistema solar, ou mesmo fora dele, apoiou-se em um pretexto totalmente equivocado para não cassar a sentença: disse que, embora fosse, sim, caso de nulidade da citação, a matéria não foi arguida, pela parte, na primeira oportunidade, tendo o ato, portanto, convalidado-se.

Ora, ao ler um acórdão como este, o advogado vai:
a) Vender coco na praia, tarefa simples, que não lhe fará presenciar aberrações processuais dessa estirpe;
b) Tenta suicídio, afinal, é o fim do mundo;
c) Envia um exemplar do Código de Processo Civil (CPC) a cada um dos desembargadores, já que eles, provavelmente, não o têm.

Há como explicar um acórdão que ignora por completo alicerces processuais?

Sem adentrar o fato de que a Reclamada ventilou, sim, a nulidade da citação na primeira oportunidade que lhe competia, ainda assim, essa jamais poderia ser justificativa para que o tribunal deixasse de analisar a questão.

A 8ª Turma mencionou claramente que a citação é pressuposto de existência e desenvolvimento válido do processo; como consequência, deveria saber que se trata de MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA, ou seja, que pode ser apreciada a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição. Como tal, não se sujeita à preclusão.

Ter em mãos um acórdão como esse, além de causar a famosa vergonha alheia, faz com que questionemos todo o sistema: para que aprendemos princípios processuais, matérias de ordem pública e outros aspectos processuais que nos parecem ser importantíssimos, se, na prática, eles são absurdamente ignorados?

A simplicidade da Justiça do Trabalho e o in dubio pro operario justificam aberrações como esta? Pode um julgador deixar de enfrentar matéria, que poderia ser analisada até mesmo de ofício?

Porque, nesse caso, foi brutalmente retirado da Reclamada o direito de se defender, o mínimo garantido pela Constituição Federal, no famigerado art. 5º.

Primeiro, assassina-se o Código Civil, aceitando-se um ato praticado por incapaz e, depois, para o desastre ficar completo (quando não se imaginava que poderia piorar), o pobre coitado do Código de Processo Civil é violentamente rasgado em mil pedacinhos. Talvez ele sirva somente de enfeite no processo do trabalho.

E agora? Como não nos resta chorar, afinal, os julgadores que temos à nossa disposição são esses e pronto, podemos apenas levar a discussão até o Tribunal Superior do Trabalho, onde esperamos que existam ministros mais perspicazes ou que, simplesmente, sigam a lei.

Se assim não for, acho que vou votar na alternativa “a”. Afogar no mar ou ter insolação são melhores opções do que ter que conviver com esse meio jurídico brasileiro, que de justo, não tem nada.